quinta-feira, 21 de abril de 2011

A digitalização do livro impresso: uma nova perspectiva da sociedade capitalista

A sociedade de consumo ao recriar a recepção literária por lidar com o fenômeno da divulgação e da distinção, reelabora novos espaços de divulgação dos livros, que passam a ser massificados pela perspectiva da acessibilidade, como característica da modernidade. Sob essa perspectiva muitos livros são disponibilizados em sites de importantes bibliotecas nacionais e internacionais, A era tecnológica imbrica-se na leitura emergindo portanto uma questão bastante intrigante, o livro impresso está com seus dias contados?
A leitura vem sendo questionada a cerca de uma reelaboração em sua perspectiva, pois acredita-se que a leitura através da internet esteja ampliando e determinando uma nova possibilidade de conceber esta atividade.
Novos suportes tecnológicos põem em cheque a sobrevivência do livro, este que já constituiu o apanágio da modernidade, pois surgiu no momento das revoluções, marcando o progresso econômico e cultural da Europa Ocidental. A divulgação do conhecimento reconheceu nesse suporte uma ação decisiva para a sociedade em constante tranformação. Tal transformação tem determinado uma nova perspectiva para este suporte que amplia a tradicional forma de leitura.
Os recém lançados Ipads lança uma questão polêmica acerca da sobrevivência do livro. Muitos defendem a ideia do fim das bibliotecas convencionais e vislumbram de forma profética que o armazenamento on-line substituirá, num futuro bem próximo, o livro impresso. É possível pensar, diante desta nova possibilidade que seria muito mais cômodo e rápido acessar os acervos virtuais do que dirigir-se a uma biblioteca.
Questões como essas são levantadas pelo historiador Robert Darnton, em seu livro “A questão dos livros”, pois o acesso às bibliotecas são gratuitos, com a digitalização dos livros surge uma dúvida, o acesso a eles continuará a ser? O autor aponta para a soberania da Google, o maior e mais utilizado site de buscas do mundo, além de ser a detentora de redes sociais, como o Orkut e o Youtube, o maior site de acervo videográfico do mundo.
Darnton afirma que o Google já digitalizou cerca de 10 milhões de livros, o lado positivo é que ele possibilitará que consumidores comprem acesso a milhoẽs de livros, protegidos por copyright e ainda em catálogo, para leitura em telas de computador ou equipamentos portáteis. Outros milhões de livros, cerca de 7 milhões de obras sob copyright, mas fora de catálogo, incluindo milhões de obras consideradas orfãs, pois os detentores de direitos ainda não foram identificados, ficarão disponíveis mediante assinaturas pagas por instituições, como universidades.
Ainda segundo Darnton, esse banco de dados, em conjunto com livros em domínio público já digitalizados pelo Google, formará uma biblioteca digital gigantesca que crescerá gradualmente até um dia ultrapassar a Biblioteca do Congresso (que atualmente contém mais de 21 milhões de livros catalogados).
O autor mostra-se preocupado não necessariamente com o novo suporte, mas com os preços, pois algumas informações demonstram o perigo dos monopólios e sua tendência de cobrar preços monopolistas. Outra questão apontada pelo autor é a possibilidade do controle do Google sobre o acesso aos livros acabar reforçando seu poder também sobre o acesso a outros tipos de informação, levantando questões de privacidade (o Google pode agregar dados sobre a leitura, os e-mail(s), o consumo, a moradia, as viagens, o emprego e muitas outras atividades dos usuários. Não podemos deixar de mencionar que o Google é uma empresa e seu objetivo principal é gerar lucros para seus acionistas.
Darnton, embora aponte tais perspectivas para essas ações que podem monopolizar ou dificultar o livre acesso a cultura não é contra a digitalização, pois alguns projetos com o Gutenberg-e, uma editora virtual que publica trabalhos acadêmicos, onde o acesso é gratuito, foi idealizado pelo historiador. Muitos trabalhos acadêmicos, como teses e dissertações estão disponibilizados no computador. Darnton, que teve experiência numa biblioteca convencional, pois durante um longo tempo foi diretor da biblioteca de Harvard, buscou dinamizar as possibilidades de acesso às leituras criando uma maneira de democratizar a informação através da criação de bibliotecas digitais públicas. Segundo o historiador:
Em 9 de novembro de 2009, no Tribunal Distrital do Distrito Sul de Nova York, a Authors Guild e a Association of American Publishers estavam programadas para entregar um acordo que resolveria sua ação judicial contra o Google alegando violações de copyright no programa para digitalizar milhões de livros de bibliotecas de pesquisa e disponibilizá-los de graça na internet. Você pode achar que isso não se compara à queda do Muro de Berlim. É verdade, mas por vários meses todos os olhos do mundo dos livros — autores, editores, bibliotecários e muitos leitores — ficaram atentos ao tribunal distrital e seu juiz, Denny Chin, pois essa disputa aparentemente pouco relevante sobre direitos autorais parecia capaz de determinar o futuro digital de todos nós.

Monopolizar a informação seria como retrocerder na história, os franceses, que tem participado de todo o processo que dá direito ao Google citaram a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, para defender o princípio do “livre acesso à informação” que parece estar ameaçado pelo “monopólio de facto” do Google. Recorrendo aos aspectos culturais, os franceses enfatizaram o caráter único dos livros por acreditarem ser um produto diferente dos outros e sua capacidade de capturar a criatividade e enriquecer a civilização promovendo a diversidade, mas tudo isso estrai prejudicado pelo compromisso da Google com a comercialização.
Segundo Darnton os alemães também se pronunciaram e falaram em nome da “terra dos poetas e pensadores”, mas enfatizaram sobretudo o direito à privacidade, que segundo ele poderia ser ameaçada se o Google armazenasse dados sobre quem lê o quê. Os governos da França e da Alemanha listam em seguida uma série de argumentos complementares, quase os mesmos, palavra por palavra — e isso não é surpresa alguma, já que os dois países contrataram a mesma assessoria jurídica:
1. O acordo concede ao Google um possível monopólio sobre as obras órfãs, mesmo que a empresa não tenha direitos sobre seus copyrights.
2. A cláusula de exclusão voluntária, segundo a qual os autores aceitam tacitamente o acordo a não ser que notifiquem o Google do contrário, viola os direitos inerentes à condição de autor.
3. O acordo contém uma cláusula de favorecimento — isto é, um dispositivo que impede possíveis concorrentes de obterem termos melhores que os conquistados pelo Google em quaisquer novos usos comerciais de livros digitalizados. Os termos desses empreendimentos futuros serão determinados pelo Book Rights Registry, composto exclusivamente por representantes dos autores e editores. Esse registro cuidará dos copyrights e cooperará com o Google no estabelecimento de preços.
4. O acordo concede ao Google o poder de censurar seu banco de dados, excluindo até 15% das obras digitalizadas.
5. Suas diretrizes de preços promoverão os interesses comerciais do Google, e não o bem público, mediante o uso de algoritmos criados pelo Google conforme os métodos secretos do Google.
6. O acordo favorece o sigilo generalizado, ocultando procedimentos de auditoria, impedindo o comparecimento do público às reuniões onde o Google e o Book Rights Registry discutirão assuntos relativos a bibliotecas e até mesmo exigindo que o Google, autores e editores destruam todos os documentos relevantes ao consenso sobre o acordo.
Franceses e alemães concordam em condenar o acordo por sancionar a concentração de poder nas maõs de uma única entidade corporativa ameaçando o livre acesso de ideias através da literatura. Argumentam que o Google obteve uma receita superior a muitos países em 2008, chegando a cerca de 22 bilhões de dólares.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


DARNTON, Robert. A questão dos livros : passado, presente e futuro / Tradução de Daniel Pellizzari — São Paulo : Companhia das Letras, 2010.

A Literatura e a Teoria em detrimento de uma sociedade de consumo

A Literatura vem sendo questionada a cerca de sua sacralização nos meios acadêmicos, pois sempre refletiu um certo distanciamento das classes populares por colocar-se numa erudição que sempre a tornou fechada e elitizada, em seu acesso comum apenas aos europeus e quem coadunasse com a sua perspectiva. Muitos aspectos vêm contribuindo para essa discussão que remonta um novo olhar sobre a Literatura, que passa a ser considerada não mais em sua condição de obra estética e seus critérios de literariedade, mas na possibilidade de apontar novos caminhos de ordem teóricas ou de travar diálogos sobre temas que interessem não só a um público específico.
A influência que as teorias estrangeiras exercem sobre a crítica literária vem abrindo espaço para a revisão de novos conceitos e uma nova postura frente ao questionamento do novo lugar da Literatura, isso perpassa pelo reconhecimento da descentralização do lugar de enunciação do conhecimento, segundo Souza:
A recente inclinação de conjugar o saber produzido por especialistas com sua divulgação mais popularizada traduz os diferente lugares por onde passa atualmente o conhecimento, exigindo a revisão de antigos preconceitos relativos à separação entre cultura erudita, popular e de massa. (2002, p.63).

As tranformações culturais e políticas que ocorrem nas últimas décadas vem influenciando incisivamente para as mudanças na crítica literária e uma dessas mudanças estaria atrelada aos “Estudos Culturais” que para alguns críticos poderia ameaçar os estudos literários. Diante disso, conhecer os lugares de onde estão sendo enunciados os diferentes discursos teóricos seria determinante na constituição de uma nova postura frente à teoria literária, pois há que se reconhecer a relevância da interdisciplinaridade em todos os campos de conhecimento, na medida em que a mesma se faz tão presente de forma bastante harmoniosa nesse momento onde as tendências contemporâneas caracterizadas de um pluralismo de posições e de métodos estejam em voga.
A teoria ascende sob uma nova perspectiva, na medida em que se é reconhecida não mais num lugar de estabilidade mas ao contrário vê-se instaurada numa teia de possibilidades e de novas tendências culturais e literárias que se amplia:
o que está em jogo, entre as tendências culturais e literárias, não se restringe apenas à escolha de obras que participem ou não do cânone literário. Relaciona-se ao caráter regulador da crítica cultural, ao considerar elitista a preferência do estudioso por escritores consagrados e tradicionalmente aceitos pela comunidade acadêmica.(idem, 2002, p.67)

O que defende-se aqui, portanto, está relacionado a possibilidade de se colocar em debate o novo lugar da teoria sem perder de vista todo o processo histórico a que ela esteve submetida. A falência teórica, descrita por John M. Ellis, professor de Literatura Alemã, recai segundo Souza, na filosofia francesa dos anos 70 e que são representadas por Foucault e Derrida. Ainda segundo a autora: dotada de linguagem própria, essa elite intelectual afastaria os que não se enquadrariam nos novos conceitos e expressões do momento, criando-se uma situação de exclusão “politicamente incorreta”...(2000, p. 67). A proposta da desconstrução da rigidez dos conceitos deve perpassar pelo reconhecimento da constante mudança que a teoria está imiscuída. A interdisciplinaridade deve ser encarada e praticada com um certo rigor, como propõe Compagnon, para não incorrer no erro de se tornar uma prática pulverizada e vaga resultando na impossibilidade de se conquistar o seu devido respaldo. A interdisciplinaridade , de vilã da história poderia receber tratamento mais condizente com sua força de aglutinação de diferenças e de pulverização dos limites fechados dos campos teóricos (2000, p.73)
O novo lugar da Literatura ou ainda o “não-lugar” torna presente a necessidade de se reconhecer essa posição de instabilidade como advento de uma multiplicidade discursiva, muitos teóricos, no entanto, defendem uma especificidade da Literatura, por desconfiarem da interdisciplinaridade e por esta apagar as diferenças devido a confluência de diversas disciplinas. A crítica tradicional vem tentando, de forma radical, resguardar a Literatura e sua possível diluição no campo dos estudos culturais.
O processo no qual foram rompidos os limites dos campos disciplinares, estabelecendo a cooperação entre arte, literatura e teoria e intitulado por David Carrol como paraestética não resulta no fim da teoria mas no entendimento que nem a idealização da estética, nem a supremacia da teoria devem predominar, mas ambos devem conviver no entre-lugar1 levando-se em conta os aspectos relevantes de cada um.
A tradição cultural é remontada sob o viés das transformações ocorridas nesse início do século, novas produções literárias aparecem como um corpo estranho ao paradigma literário tradicional mas muito bem ajustados ao novo cenário contemporâneo. O Objeto literário vem perdendo a sua aura em detrimento de uma perspectiva mercadológica, abrindo espaço para a cultura de massa. O acesso fácil as informações tem nutrido e incentivado a superficialidade da obra literária, pois não se há tempo a perder deglutindo informações que requer mais tempo, é necessário como nos fast foods a ingestão de informações de fácil processamento. É difícil reconhecer tal possibilidade, mas infelizmente é isso que assistimos no cenário mundial.
A Literatura, inserida no conceito de modernidade, o que para Canclini é constituído por quatro movimentos básicos, caminha de acordo com a perspectiva de tais projetos, e que segundo o autor são: projeto emancipador, expansionista, renovador e democratizador. Cada um deles caracteriza a contemporaneidade e as tendências nos campos culturais.
O projeto emancipador caracteriza-se pela racionalização da vida social e o crescente individualismo principalmente nas grandes cidades. A tendência da modernidade que busca estender o conhecimento e a posse da natureza, a produção e a circulação e o consumo dos bens é denominado como expansionista. Dois aspectos abrangem o projeto renovador, um deles busca o aperfeiçoamento e inovação constantemente, de acordo com CANCLINI: são próprios de uma relação com a natureza e com a sociedade liberada de toda prescrição sagrada sobre como deve ser o mundo; de outro a necessidade de reformular várias vezes os signos de distinção que o consumo massificado desgasta (200:32). O projeto democratizador acredita na educação e na difusão da arte e dos saberes especializados para chegar a uma evolução racional e moral.
Deter a Literatura em um desses projetos seria difícil, pois eles são concomitantes e se entrecruzam, embora ao se desenvolverem entram em choque, pois de um lado existe a necessidade utópica de se pensar o saber e a criação em espaços que pudessem desenvolver-se com autonomia, e de outro a modernização política e econômica e tecnológica parecem ter atrofiado tal possiblidade. A arte enfrenta a contradição de estar inserida numa sociedade que ao passo que necessita da divulgação que está relacionada a ampliação do mercado e o consumo dos bens para aumentar o lucro, recriam signos que venham a distinguir os setores hegemônicos, buscando desta forma a: distinção.
A sociedade de consumo recria a recepção artística e literária, pois lida com o fenômeno da divulgação e da distinção, reelaborando estes espaços de divulgação das obras, que passam a ser massificadas pela perspectiva da acessibilidade, como característica da modernidade, ou da pós-modernidade, pois ambas coexistem, embora tentem negar de forma contraditória o surgimento de uma em detrimento de outra. Ainda segundo CANCLINI: Em sociedades modernas e democráticas, onde não há superioridade de sangue nem títulos de nobreza, o consumo se torna uma área fundamental para instaurar e comunicar as diferenças (2000: 36).
A questão do gosto artístico, para a burguesia, serviria apenas para justificar que suas prioridades não estão atreladas apenas pela acumulação econômica. E o que ocorre é que a arte acaba sendo relacionada a intenções políticas e este tipo de imposição revela a manutenção e propagação da ideologia de grupos dominantes e o silenciamento das vozes de tantos outros grupos culturais descriminados e marginalizados. Propaga-se desta forma um tipo de arte que restringe a dinamicidade e a originalidade da manifestação artística.
Muitos artistas propuseram reinventar a arte de forma que ela se reintegrasse a nova perspectiva mercadológica, como afirma CANCLINI:
Tatlin e Malevitch foram encarregados de aplicar suas inovações em monumentos, cartazes e outras formas de arte pública; Arvatov, Rodchenko e muitos artistas foram para as indústrias para reformular o design, promoveram mudanças substanciais nas escolas de arte a fim de desenvolver nos alunos “uma atitude industrial em relação à forma” e de fazê-los “engenheiros projetistas”, úteis ao planejamento socialista. (Ibdem,2000: 44)

Mas a autonomia que a arte busca incessantemente esmaece sob o novo cenário que a subjuga em detrimento de um mercado em crescente ascensão determinadas por forças extraculturais.
Novos critérios de avaliação e inserção na sociedade revelam a arte e, portanto a Literatura sob um novo olhar. O mercado exerce uma força descomunal sobre a autonomia artística e isso recria o novo lugar da arte e portanto da Literatura, que não está mais restrita a um público específico mas a diversos públicos. De um lado a expansão da divulgação artística e do outro a dependência à indústria cultural.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


CANCLINI, Néstor Garcia. “Das utopias ao mercado” Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. 3 ed. São Paulo: Edusp, 2000, p.31-66.

SANTIAGO, Silviano. A democratização no Brasil ( 1979-1981 ) - Cultura versus Arte. In: O comopolitismo do pobre: crítica literária e crítica cultural. Belo Horizonte: UFMG, 2004, p.134-156.

SOUZA, Eneida Maria. A teoria em crise e O não lugar da literatura. In: Crítica Cultural. Belo Horizonte: UFMG, 2002, p. 63-84.