quarta-feira, 30 de março de 2011

A representação feminina no romance Atire em Sofia

O romance Atire em Sofia (AS), da escritora Sônia Coutinho possui alguns temas que perpassam pela discussão da teoria feminista, uma delas é a representação feminina, visto que as mulheres, enquanto sujeito, necessitam que suas qualificações sejam atendidas para que a representação possa de fato acontecer de forma mais ampla. O livro apresenta, já no início, o rompimento de Sofia, personagem central da trama, com a tradição, demonstrando como a mulher sente-se irrepresentada socialmente, pois se necessita de uma ruptura, é por não sentir-se acomodada nos modelos pré-estabelecidos. Para Foucault, os sistemas jurídicos de poder produzem os sujeitos que subsequentemente passam a representar (apud, Buttler, 2008, p.18).
Rousseau, em Emílo ou Da educação, enfatiza sobre a maneira como devem se comportar as mulheres e o faz através de uma personagem que também se chama Sofia. A mulher ideal, para ele, “é da ordem da natureza que a mulher obedeça ao homem”. “Sofia” (do grego sopfos), isto é, aquele que age com sabedoria. Para Rousseau, uma mulher agir com sabedoria significava resignar-se à sua condição de fragilidade devido ao fator natural, para Sônia Coutinho, no entanto, sabedoria para a mulher representa contrariar a tradição, não aceitar a imposição de uma vida com um roteiro estabelecido, é desta forma, que a personagem Sofia, do seu livro, questionou o seu lugar na sociedade e partiu em busca de uma vida, em que pudesse tomar suas próprias decisões, escolher e delinear sua ou suas identidades.
A (não) representação feminina decorre do fator da diferença dos sexos, daí que para a teoria feminista, tende haver a distinção de sexo e gênero, de forma a questionar a formulação de que a biologia é o destino. Para Buttler (2008), a distinção entre sexo e gênero atende à tese de que, por mais que o sexo pareça intratável em termos biológicos, o gênero é, culturalmente construído, portanto não é nem o resultado causal do sexo, nem tampouco tão aparentemente fixo quanto o sexo. A diferença sexual apresentou-se como uma fronteira natural e fixa entre o político e o doméstico, isto é, entre o que representa a si mesmo e o representado; entre o autônomo e o dependente (Scott, 2002).
O livro apresenta ainda outro tema, o casamento, a heterossexualidade hegemônica que se estrutura sob a hierarquia que mantem a mulher em posição de desvantagem, na medida em que se apresenta de maneira radicalmente diferente para o homem e para a mulher, fixando limitações aos comportamentos estabelecidos. Beauvoir (1980) afirma que ambos os sexos são necessários um ao outro, mas essa necessidade nunca desenvolveu nenhum tipo de reciprocidade, pois, socialmente, o homem é um indivíduo autônomo, ao passo que a mulher nunca constituiu uma casta, que fosse capaz de estabelecer permutas e contratos, em pé de igualdade, com a masculina. Essa é uma perspectiva apontada por Sofia, personagem central do livro:
Os casamentos aqui, na geração de minha mãe, eram longos exercícios de ódio. A mulher deveria permanecer sempre criança, para melhor agradar e servir ao homem. Ao longo dos séculos, seu único aprendizado foi a esperteza doméstica. Só podia tirar alguma vantagem ou satisfação da retribuição que, por acaso, os homens oferecessem por seus serviços. Prazeres físicos eram considerados inadequados, impróprios, pecaminosos, para uma mulher “direita”. Gerações inteiras de mulheres de que não temos nenhuma notícia, de cuja vida não ficou registro nenhum. Mulheres de quem nada se sabe, porque a vida inteira cumpririam tarefas consideradas subalternas. Preparar comida, lavar fraldas, amamentar, cuidar de doentes agonizantes, esperar. Apenas deveres, causaria estranheza se tentassem alguma coisa diferente. Mulheres que até aqui se desabituaram de dizer “eu sou”, “eu quero”. (AS, 1989, p.50)

O cartesianismo influenciou sobremaneira o pensamento ocidental, visto que tal perspectiva impõe um hierarquia, privilegiando, nesse caso, o homem, em detrimento da mulher. Esta ideia, no entanto, vem a ser desconstruída no romance, em questão, ao instaurar uma ruptura aos modelos impostos e esperados para uma mulher.

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